Sandra

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Sandra Cristina Ramos

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Não escreva como se falasse


Alguns textos são tão fluidos e tão próximos, que nos sentimos conversando com o autor numa mesa de bar. Essa impressão fica ainda maior quando o autor usa uma linguagem coloquial ou gírias. Autores famosos, como Saramago, fazem poucos parágrafos e economizam na pontuação, o que dá à sua escrita uma impressão de dinamismo. Essas e outras coisas podem passar a impressão de que o autor escreveu tudo rapidamente, que apenas escreveu o que ele falaria sobre o assunto. Garanto que isso não é verdade. Quanto mais fluidez e simplicidade um texto aparenta, mais trabalho de revisão ele teve.
Clareza e brigas
A escrita e a fala têm regras próprias. A fala é acompanhada de entonação, do cenário que é dita, de gestos, do olhar. A fala se acaba no ar assim que é pronunciada. A escrita não tem entonação, cenário, gestos e nem olhar – isso precisa ser recriado pelo escritor. Por isso vemos tantos equívocos e brigas geradas pela comunicação na internet – ao ler algo que escrevi, o leitor pode adivinhar o tom que quiser. Algo que numa conversa seria claramente uma brincadeira, por escrito pode parecer uma provocação.
Ao mesmo tempo, a escrita tem sobre a fala a vantagem de ser permanente. Se alguém me diz algo e não estou prestando muita atenção, tenho que puxar da memória ou pedir para que repita, porque a informação foi perdida. Um texto deixa as palavras registradas, basta voltar e tudo estará lá da mesma maneira. Isso faz com que um texto não precise ter o mesmo número de repetições que a informação falada.
Repetições
Essa última característica – que um texto não precisa ter a mesma quantidade de repetições – é muito importante. Na fala estamos sempre repetindo as informações, seja uma palavra ou uma frase inteira – “eu acho que”, “aí eu disse”, “depois”, etc. Num texto, isso se torna cansativo. Para não cansar o leitor, o autor precisa buscar alternativas para não se repetir ao continuar no mesmo assunto. Pra isso vale abusar de palavras que nem sempre fazem parte do dia a dia, mas que por escrito ficam muito boas. Neste texto, eu alternei várias expressões (“alguns textos”, “essa impressão”, “essas e outras coisas”, “por isso”, “algo”, “ao mesmo tempo”, “isso faz”, “essa característica”), estabeleci comparações (“quanto mais”, “ao mesmo tempo”), conjuguei um verbo (“garanto”), comecei frases afirmativas com artigos (“a escrita”, “a fala”, “um texto”), dentre outras coisas. Tudo para tornar a experiência da leitura mais agradável, e desta forma evitar que as pessoas abandonem o meu texto logo no começo.
Eu acho
Se eu fosse falar sobre o assunto, provavelmente diria “eu acho”, “eu acho” quase o tempo todo. Todo mundo é viciado em algumas expressões ao falar. O vício pode ser terminar todas as frases com “né”, juntar todas as frases com “então”, “e aí, eu…” ou o imensamente irritante “tipo assim” que os adolescentes adoram. A pessoa não costuma notar suas próprias repetições, e mesmo quando percebe tem dificuldade de corrigir, porque a fala e o pensamento acontecem quase ao mesmo tempo. O que nos remete a outra vantagem do texto escrito: nele, há tempo de parar e corrigir. Antes de imprimir ou enviar, o autor pode reler o texto e lapidar, quantas vezes quiser. O melhor conselho para um bom texto é: não deixe de lado essa característica tão importante e exerça o direito de revisar!

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